Estudo antropológico sugere que vôlei é um esporte feminino no Brasil

29-10-2009 14:32

Quantas vezes você já ouviu que vôlei é um esporte feminino? Foi desta afirmação que a antropóloga Juliana Coelho partiu para fazer uma análise do segundo esporte mais popular no país. E a conclusão a que ela chegou é polêmica: enquanto homens escolhem futebol, mulheres e homossexuais preferem o vôlei.

JOGADOR DE VÔLEI SOFREU APÓS ASSUMIR HOMOSSEXUALIDADE

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    Apesar do estudo sugerir que o vôlei é um esporte mais aberto às “masculinidades alternativas”, o vôlei já teve um jogador que assumiu ser homossexual e sofreu com isso. O ponta Lilico, que “saiu do armário” em 1998, brilhou na Superliga no fim dos anos 90.

    O atleta, que morreu em 2007 aos 30 anos, reclamou de preconceito e chegou a afirmar que não foi convocado para as Olimpíadas de 2000 por causa de sua orientação sexual. O técnico Ricardo Navajas, que foi campeão paulista com o atleta na temporada 2000/2001, admite problemas no passado, mas afirma que a situação mudou.

    “Eu trabalhei com o Lilico e a aceitação dele no grupo só dependeu do nível técnico. Se o nível do atleta é bom, é aceito em qualquer lugar. No passado, existia preconceito, mas esse conceito mudou. Hoje, a opção sexual não é mais um problema”, resume.

    Para essa aceitação chegar ao futebol, porém, o caminho deve ser longo. Até hoje, nenhum jogador profissional admitiu ser homossexual. “Eu acho que o futebol pode passar por um processo parecido (com o do vôlei) e se abrir um pouco mais. Agora, o ritmo dessa mudança é mais lento, porque o futebol está enraizado nas tradições, é muito mais antigo”, diz Juliana Coelho.


“A feminilidade e o homossexualismo não têm vez no universo futebolístico. (...) O vôlei acaba se constituindo em um espaço de sociabilidade feminina e homoerótica. Mais do que isso, acaba se tornando um esporte híbrido – uma vez que permite cruzamentos, misturas, bricolagens entre o que consideramos masculino e feminino”, diz o texto.

O estudo, intitulado “Voleibol, um espaço híbrido de socialização esportiva”, faz parte do livro "Visão de Jogo - Antropologia das Práticas Esportivas", coletânea organizada por Luiz Henrique de Toledo e Carlos Eduardo Costa, lançado na semana passada, em São Paulo.

Para chegar a essa conclusão, Juliana analisou pesquisas que mostravam que o número de torcedoras de vôlei, no site da Confederação Brasileira, era maior do que o de torcedores. Além disso, em um shopping, ela também constatou que as mulheres preferiam uma bola de vôlei a uma de futebol quando tinham de optar por uma das duas opções.

Além disso, analisou o comportamento, na internet, de pessoas que discutiam o esporte. E constatou que existe, no Brasil, um imaginário que não insere o vôlei na lista de esportes masculinos. Para ela, o vôlei, por aqui, se tornou uma alternativa para quem não se enquadra no padrão masculino da sociedade.

“Isso se deve ao fato do imaginário dessa masculinidade hegemônica estar, quase que por inteiro, absorvido pelo futebol, restando ao imaginário das masculinidades alternativas e das feminilidades buscar outro espaço de sociabilidade esportiva, outro espaço para praticar esportes e torcer”, conclui o estudo.

Em entrevista ao UOL Esporte, Juliana evitou confirmar o rótulo “vôlei é esporte de mulher”. Mas admitiu que o universo feminino é muito mais presente. “Quando eu comecei, achei que iria encontrar um esporte predominantemente feminino. Mas as pesquisas mostraram, na verdade, uma proporção de três mulheres para dois homens que gostam do esporte. Na verdade, o vôlei é híbrido. Se compararmos com o futebol, ele não é masculino ou masculinizante. É mais plural. O vôlei aceita muito mais quem não se encaixa nessa masculinidade hegemônica que o futebol prega”, completa Juliana.

Procurado pela reportagem, o preparador físico da seleção brasileira feminina e especialista em psicologia esportiva, José Elias de Proença, se negou a comentar as conclusões do estudo sem ter analisado o texto. Mas admitiu que o vôlei é muito mais aberto do que outras modalidades.

“Todo esporte é democrático. As pessoas que praticam é que demonstram um preconceito. Sem analisar a conclusão do estudo, o que eu percebo é que o vôlei é mais democrático, mais plural. Não existe uma relação de exclusão”, disse Zé Elias.

Presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, Kátia Rubio também evitou comentar o estudo, mas seguiu na mesma linha de Proença. “Não existe esporte feminino ou masculino, a não ser que seja determinado por regras, como o nado sincronizado ou as barras assimétricas, da ginástica, que são só para mulheres, ou as barras paralelas, que são só para homens”.

Para ela, comparar a atuação de mulheres no futebol e no vôlei também é injusto. “O futebol feminino só chegou às Olimpíadas em 96. O futebol já foi proibido por lei para as mulheres. Então, é claro que as mulheres não vão praticá-lo. Restavam somente modalidades como vôlei e basquete. Agora, partir disso e dizer que mulheres preferem o vôlei é precipitado”, afirma Kátia.

Como a pesquisa, em sua essência, compara o vôlei e futebol, a reportagem procurou também Ricardo Navajas. Um dos técnicos mais vitoriosos do país, ele deixou o vôlei e trabalha com futebol – começou a trabalhar com o Santo André, da elite do Campeonato Brasileiro, na segunda-feira.

Para ele, não há dúvida de que o vôlei, pelo menos entre torcedores, é mais feminino do que masculino. “O público que acompanha o vôlei é mais feminino. Isso é uma realidade que não podemos negar. Agora isso não quer dizer que seja um esporte feminino”.

Seguindo a linha de Navajas, Kátia Rúbio usa os resultados do Brasil no vôlei internacional para refutar a afirmação. “O vôlei masculino é anterior ao feminino no Brasil. E se fosse um esporte para mulheres no Brasil, não teríamos tantos jogadores, nem tantas conquistas”.


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